Em 1 de maio de 2024 foi declarado pelo Governo do Rio Grande do Sul, através do Decreto n° 57.596, o estado de calamidade pública em decorrência dos eventos climáticos de chuvas intensas e enchentes que estão assolando o território estadual desde 24 de abril de 2024.
As consequências desastrosas das fortes chuvas e enchentes ocorridas no Rio de Grande do Sul são fatos públicos, notórios e imensa sensibilização mundial com a população gaúcha que não somente perderem bens materiais, mas também entes queridos e familiares.
Porém, além da inestimável perda que a população gaúcha tem enfrentado, sabe-se que muitas outras questões ainda estão por vir, quando, inicialmente, as águas derem uma trégua e então escoarem.
A este ponto, além da necessidade de reconstrução das cidades, a calamidade pública ocorrida também afetará as relações jurídicas anteriormente existentes. Neste ponto, questiona-se como ficará o cumprimento das obrigações contratuais, poderá o contratante, mesmo diante desta catástrofe exigir o inadimplemento do contratado?
Sabe-se que as relações contratuais são regidas, entre tantos outros, pelo princípio do pacta sunt servanda que determina que os acordos devem ser cumpridos, ou seja, as obrigações contratuais devem ser realizadas entre as partes nos termos em que pactuado.
Todavia, tal princípio acabou por ser mitigado pelo princípio do equilíbrio contratual, que assevera que as obrigações devem ser cumpridas, nos termos em que pactuadas, desde que não gerem desproporção ou onerosidade excessiva a uma das partes. Isto é, uma parte não pode ser sobrecarregada ao cumprimento de uma obrigação, em benefício exclusivo da outra.
Contudo, sejamos claros, ainda que tenhamos a onerosidade excessiva, não podemos confundir a impossibilidade com a dificuldade de continuidade da relação.
No presente caso, o estado de calamidade pública decretado no Rio Grande do Sul, fugiu da normalidade de chuvas e enchentes, caracteriza-se como fato imprevisto e imprevisível, sem intervenção e/ou culpa das partes. Com isso, esse fato acarretou uma situação em que as obrigações contratuais assumidas são impossíveis de serem cumpridas normalmente pelos contratantes, sem que ocorra o desequilíbrio entre elas.
Sob óptica deste desequilíbrio, se faz necessário compreender que o ordenamento jurídico visa proteger o pacto firmado entre as partes, vez que se aplica o princípio de autonomia das partes. Por este motivo, é de suma importância que as partes reconheçam em seus contratos que é possível que a relação possa ser posta em risco caso tenhamos algum evento que impossibilite a continuidade da obrigação anteriormente contraída.
Mas, caso em seus contratos não tenhamos tal condição pré-estabelecida, a parte que se encontra em desequilíbrio poderá recorrer ao judiciário para a revisão contratual, ou seja, a análise de cláusulas, condições e termos do contrato e, se necessária, a modificação para garantir que seja justo e igualitário para ambas as partes ou a resolução contratual, isto significa o encerramento da relação contratual pelo descumprimento das obrigações assumidas.
No entanto, compreenda que para a aplicação da onerosidade excessiva, a outra parte deverá obter extrema vantagem sobre a parte prejudicada.
Por outro lado, é possível recorrer a aplicação dos institutos de caso fortuito ou força maior, os quais isentam o devedor pelos prejuízos resultantes de um evento imprevisível ou de difícil previsão que não pode ser evitado, porém tal evento não pode ter se originado por culpa do devedor, isto significa que não pode ter ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, nestes casos, fica a parte obrigada a reparar o dano.
Assim sendo, os efeitos das chuvas recorrentes no Rio Grande do Sul só poderão ser identificados posteriormente e por consequência, para que tenhamos a aplicação de onerosidade excessiva ou até mesmo do caso fortuito e força maior, dependerá de uma análise profunda e minuciosa de cada relação contratual, inclusive os efeitos que a parte prejudicada deseja produzir na sua relação contratual.
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